domingo, 27 de fevereiro de 2011

Vestibular bom era no meu tempo...


Vestibular bom era no meu tempo. Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era mo meu tempo; meu e dos outros coroas.

O vestibular de Direito a que me submeti, na velha faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: português, latim, Francês ou inglês e sociologia, sendo que esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha de se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito tão ruibarbosamente* quanto possível, com citações decoradas, preferivelmente.

Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Admistração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim.



Uma bela vez, chegou um sem menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra “for” tanto podia ser do verbo “ser” quanto do verbo “ir”. Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.


­- Esse “for” ai, que verbo é esse?
Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do circulo*, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.


-Verbo for.
-Verbo o quê?
-Verbo for.
-Conjugue ai o presente do indicativo desse verbo.
- Eu fonho, tu fões, ele fõe – recitou ele, impávido. – Nós fomos, vós fondes, eles fõem.


Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda  aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe.

Texto de João Ubaldo Ribeiro

Glossário
 
*ruibarbosamente: ao estilo de Rui Barbosa.
*quadratura do circulo: operação que visa encontrar a área do circulo.

5 comentários:

  1. Excelente lembrança tua de divulgar esse texto, Paulo. Me lembro de já ter lido em algum lugar há algum tempo.
    Realmente estamos sujeitos a encontrar disparates de todos os tipos por aí; e o artigo evidencia isso.
    Bom domingo!

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  2. O sistema de educação nacional é completamente ultrapassado e vergonhoso... um exemplo é o ENEM, sai ano entra ano, tem problemas com a prova.

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  3. Não sou tão velho, mas tudo de alguns anos atrás era melhor, isso inclui a educação.

    http://duo-postal.blogspot.com

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  4. Vou contar duas estórinhas:
    Uma vez fui substituir um professor numa sala de primeiro colegial, eu fui falando para os alunos lerem os trechos dos textos, vc pode não acreditar, mas de 20 alunos, 3 ou 4 sabiam ler direito e os outros só gaguejavam!!!!

    Outra vez eu li uma crônica do Mario Prata em que ele fala que um texto seu caiu num vestibular, ele foi responder sobre o texto e errou tudo!! Ai ele foi querer saber o que tinha errado e o professor (sem saber que ele era o MAario Prata), disse que ele havia interpretado tudo errado a intenção do autor em falar aquelas coisas, hahahahahaha.


    Bom texto Chengão, desculpe se o comentário fugiu um pouco do post, mas ele me lembrou essas estorietas!

    Boa semana pra vc, Deus o abençoe e toda a sua familia.

    Ah, estou esperando seu parecer sobre aquele assunto.

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  5. Oi Paulo, tudo bem?
    Pois é, texto muito interessante do João Ubaldo! Esses disparates... a questão que penso, é quando eles são na verdade o reflexo dessa educação que temos aí, pode se ver sob esse aspecto; mas quando também são reflexo de mentes não muito brilhantes, aí meu amigo, a "coisa" fica ainda mais séria! rsrsrsrs
    Mas bem humorado, uma quase "tragicomédia" essa situação!
    Muito obrigada Paulo, Thiago, por terem comentado no post que fiz que julgo o mais importante de todos, o da homenagem à minha "bebê". Agradeço de coração e aguardo a visita de vocês sempre que der, suas opiniões são muito importantes para mim!
    Grande abraço!

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