terça-feira, 22 de novembro de 2011

O mistério de nossa humanidade

Como idealizei as pessoas que participaram de minha vida! Quando eu era criança, papai parecia inabalável. Eu o via grande; suas mãos eram fortes, seus passos, decididos.
Mais tarde, elegi ícones nos esportes. Depois, na religião. Mas um dia meu velho estava bastante doente, alquebrado pela Síndrome de Alzheimer, e eu precisei descê-lo dentro de uma lona de quatro alças pelas escadas do seu apartamento. Do Eródoto José Rodrigues sobrava muito pouco. Enquanto descíamos, vi seu corpo balançando, decrépito e magro. A rede empunhada por quatro homens o jogava de um lado para outro; a valsa era macabra. Lembrei de quando segurava sua mão e me sentia amparado. A decadência física de meu pai escancarava quão efêmeros nós somos. Daquele dia em diante passei a repetir: ninguém é inabalável em sua subjetividade emocional; as mais sólidas convicções intelectuais sofrem abalos; nenhuma pretensão moral é de aço inoxidável.




Não existem monstros ou santos. Todos somos flamas oscilantes. Carregamos sombras na alma. Não passamos da combinação ingênua de noviços, ineptos em abraçar o bem, e de bandoleiros, hesitantes na prática do mal.
Viver consiste no desafio de alargar o coração e deixar que réstias de luz iluminem as nossas sombras. Não permitamos que trevas se alastrem dentro da gente. Demônios tenebrosos se multiplicam em ambientes lúgubres. No alto da colina da ilha chamada vida, sejamos lanterneiros, sempre a projetar nosso farol na direção de algum viajante perdido. Não esqueçamos: só se credencia a morar no céu quem, na terra, não abandonou o mandato de ser luz.


Fujamos do ar viciado do negativismo. Aprendamos a talhar nossa história sem nos deixar destruir pela perversidade do mundo. Perseveremos em fazer o bem. Os cínicos desistem da lida; os pessimistas ajudam a empurrar a história para o desespero; e os neofundamentalistas tentam fazer nascer, a fórcipes, um mundo desde as suas verdades. Forjemos a nossa humanidade com a constatação de que somos limitados. Esvaziemos a arrogância de ter toda a verdade. A verdade reside na democrática convivência dos povos.


Reconheçamos que cada indivíduo é um universo; suas relações sociais são infinitas. Não tentemos imobilizar a dinâmica da cultura ou da ética. Bem e mal se transformam velozmente. A tarefa de joeirar virtude e vício é complexa. Não há códigos suficientes que abarquem todas as nuanças da vida. Crescemos quando nos abrimos para uma coexistência inclusiva, sem preconceitos e sem ódios. Viver é amadurecer a arte do diálogo. Ao caminharmos na senda do amor, reconheceremos Deus no rosto do próximo.


Os que almejam humanidade fazem escolhas responsáveis; só eles discernem que o futuro jaz, latente, nos grãos plantados hoje. Só germinarão fraternidade e paz quando justiça for semeada. As máquinas de guerra devem ser desmontadas para que, logo, o arado substitua a espada e o cordeiro não tema pastar ao lado do leão.
Humanidade é obra que só pertence a nós, os humanos. Então, que se abandone a ideia de que o bem ressurgirá da ganância, do consumismo, do individualismo e da soberba.


Ergamos a nossa humanidade sempre cientes de nossa pequenez. Sem a soberba dos falsos campeões, celebremos cada encontro. Valorizemos quem amamos. Acolhamos os discriminados, os deficientes, os esquecidos. Contemplemos a história como artesãos que limam o ouro. Defendamos o direito, demos as mãos ao pobre e aguardemos: breve brilhará o sol da justiça, trazendo cura sob suas asas.

Soli Deo Gloria

Texto do pr. Ricardo Gondim

Paulo Cheng

14 comentários:

  1. Todos somos de barro. Todos regressaremos ao pó.
    Ver os nossos num estado de dependência custa-nos muito, mas não conseguimos imaginar a sua luta interior para se manterem firmes, lutadores por um futuro melhor.

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  2. Maravilhoso e tão cheio de verdades e reflexões esse texto! abraço, tudo de bom,chica

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  3. Esplendoroso texto do pr Ricardo Gondim, que tão bem você aqui reproduz Paulo. Como somos pequenos e frágeis diante desse mundo que habitamos e pouco sabemos sobre ele ou quase nada sabemos e de uma vida, que nos surpreende sempre. Um grande abraço meu amigo.

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  4. Caraco Chengão! Que texto lindo véio, muito inteligente e sensível. Parabens para o pr Ricardo que escreveu. Deus pra sentir emoção nas palavras dele. Muito bom amigo!

    Eu te mandei um e-mail outro dia te avisando que seu e-mail está mandando uns vírus pra gente, dá uma olhada no seu pc antes que ele estrague alguma coisa!

    Passa lá depois que escrevi um texto sério dessa vez, hahahahahaha.

    Um sincero abraço amigo! Gosto muito de você! Fica com Deus!

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  5. É ao mesmo tempo triste e belo, triste pois nunca é tão fácil quando reconhecemos que nossa vida é tão breve e efêmera, belo pois é esta completa fraqueza e constante dependência que nos aproxima de Deus e das pessoas, precisamos de relacionamentos, afinal são eles nos ajudam a trilhar com mais facilidade está tão rápida e ao mesmo tempo tão árdua passagem por esta vida... O autor do texto, naquela hora tão triste, lembrar do aperto de mão firme do pai que agora já não estava mais vivo é lindo, chega a ser poético, quem nos dera poder deixar tão somente lembranças deste tipo...
    .
    http://sublimeirrealidade.blogspot.com/2011/11/arvore-da-vida.html

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  6. Paulo, tudo bem?
    Que texto!
    O corpo é muito menor que o espírito. O corpo definha, é fraco, se faz fraco enquanto o espírito se eterniza.

    Também quero te avisar que não vou mais trabalhar com banner, tirei todos lá, mas te coloquei na lista de leituras, claro. Estava dando, vez por outra, algum problema, tá bom?

    Abraçãooo

    PS.: Viu que coloquei o nome do filme com a Diana Ross no comentário do último post?

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  7. Ótimo texto sobre o ser humano.
    Discordo quando diz que não existem monstros. Tá cheio deles por aí.
    O ser humano é um bicho esquisito meu amigo.
    Grande dia pra você.
    Abraço
    William

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  8. Ae Chengão!!!

    Muito bonito esse texto!
    Sabe eu sempre vejo o ser humano como uma particula divina..acho que todos nós somos um pouco deuses....talvez por isso no passado tinhamos deuses tão humanos nas religiões não é mesmo?
    Tudo blz? Ah eu vou indo naquela correria padrão rs.
    Poxa brigada pelo elogio..idéias eu sei que tenho aos montes ás vezes e algumas nem são aproveitáveis rs. Mas sei lá se sou muito dinãmica 0.o
    Sabe eu ac redito que um dia eu chegarei ao que eu almejo. Mas tenho consicência também que isso demorará um bom tempo...muito tempo. Mas não vou desistir. Sei lá, quem sabe isso seja minha razão de ser?
    Sim, vc me entende! Nós blogueiros sabmeos a importância que é nossos blogs...um dia farei um post Papo Furado sobre isso, blogueiros como nós que tem seus blogs como algo que realmente faz parte de suas vidas.
    Eu espero que nos meus Papos Furados eu consiga me expressar de forma um pouco mais desnibida e livre das regras de texto presentes nos demais artigos.
    bjs!!!

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  9. Oi Paulo!
    Pois é, postei a charge do Jaiminho Guimarães, pois ele me deu de presente,... estou esperando uma do Dedé! rsrs

    Vai ter sim post do Uruguay, daqui há pouco um que acho que vai agradar para quem gosta de futebol! rsrs

    Abração,amigo!

    Viu sobre o filme da Diana Ross, né?

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  10. Cada palavra me acompanhou e toda vez que eu terminava uma frase, eu sentia uma brisa de sabedoria batendo em meu rosto, como se eu estivesse aliviado de uma tarde quente de verão. Otima escolha do Texto Cheng..Vc e o André me levaram a lugares distantes hoje !

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  11. Fala Paulo,

    É por essas e outras que eu gosto e respeito bastante o pastor Ricardo Gondim. Claro que não concordo com tudo o que ele disse no texto, mas seu humanismo é de enorme inspiração, e sua narrativa consciente e ponderada é um luxo perto do que vemos outros religiosos escreverem. Parabéns pela mensagem.

    Grande abraço.

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  12. Excelente texto que nos leva a refletir sobre "a missão" que devemos cumprir nesta hpassagem pela humanidade. Todos somos diferentes mas todos podemos e devemos viver em harmonia. Temos isso sempre debaixo dos olhos e muitas vezes nem nos damos conta. Se olharmos as nossas mãos veremos que cada uma tem 5 dedos e nenhum é igual. Mas todos se entreajudam e se juntam em harmonia.
    Não é verdade?
    Um abraço

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  13. "cada indivíduo é um universo"
    [e quantos universos cabem num só indivíduo?]
    não poderia estar mais de acordo, paulo.

    um abraço!

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  14. "Acolhamos os discriminados,os deficientes os esquecidos..."òtimo texto!Bom fim de semana!

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Olá queridos, você está em meu site, o paulocheng.com, um espaço onde eu escrevo e posto minhas impressões, meus devaneios, minhas inspirações e sandices, desde já agradeço pelo acesso, lembrando que você não é obrigado a comentar, pois não há uma obrigatoriedade ou imposição, caso você não ache interessante ou esteja com preguiça, não tem problema, o que quero aqui é o prazer acima de qualquer coisa, e não obrigatoriedade, ok? Que Deus possa te abençoar em Cristo Jesus.