sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A sorte dos desgraçados

Não aguento mais ser pesado, medido, comparado, avaliado. No instante em que me puxaram de dentro da mamãe, começou: “Quantos centímetros?” “Qual peso?” “E a cor dos olhos?” “Com três meses, sentou?” “Já engatinha?” “Aprendeu a ler com que idade?” “Passou de ano?” “Tirou dez em álgebra?” “Sabe trigonometria?” “Domina quantos idiomas?” “Tem pós-doutorado em que áreas?”.

Fico a imaginar o constrangimento da vizinha que teve filho com menos quilos ou com lábio leporino. Qual o peso nos ombros dos pais do menino com alguma anomalia genética? O que dizer para a menina de seios pequenos? O que pensar da enfermeira? – ela não chegou a ser médica! Por que Deus distribui seus dons sem critério?
Para mim, chega. Esse campeonato além de não ter nenhum vencedor, cansa. Desisto de chegar em primeiro lugar. Abro mão da primeira fila de cadeiras. Estou ficando velho para entrar em octógnos com gente de QI anabolizado.



Sinto-me parceiro de Álvaro de Campos no Poema em Linha Reta. Eu também ando farto de semideuses. Mas, vou além dele. Peço licença, quero sair. Não ambiciono o título de ungido. Não procuro a sorte dos biliardários. Abro mão das unanimidades. Não pretendo romper qualquer faixa de chegada. Os bravos que fiquem com suas medalhas penduradas no peito. Não quero ser dono de jato ou helicóptero. As autoridades que se atem com os protocolos do poder.

Assumo: a vida me escanteou para as margens – mas estou bem. Sinto-me crescentemente confortável na companhia dos reles. Acho que já posso ser bem vindo no jantar dos pecadores. Eu, “que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas”, agora me sinto à vontade entre proscritos.
Ponho-me a caminho dos esteticamente feios, dos pobres, dos discriminados, dos exilados, dos falidos. E nessa jornada, redescubro a inebriante verdade bíblica de que Deus preferiu fazer morada no acampamento do oprimido. Ele amava as mulheres menos amadas, e fez com que fossem as mais férteis. Para ele, os gigantes encarnavam o mal e os baixinhos eram gente “segundo o seu coração”.

Sucesso, felicidade, liberdade, não seriam a maldição de Mamon? Será que são mesmo desgraçados aqueles que a Fortuna, deusa sem alma, não brindou? Então, qual o consolo dos negros que morreram nos fétidos porões de transatlânticos? Que estavam sendo poupados da escravidão? Ou será que todas as divindades esqueceram deles? Estavam sós, mulheres queimadas sobre a madeira verde da Inquisição? Chamaremos de bastardos de Javé os soldados rasos que o gás de mostarda asfixiou nas trincheiras da Primeira Grande Guerra do século XX?

Todos os dias, milhões nascem destinados ao anonimato e milhões somem da vida marcados pela miséria. Os pobres se dissolvem em alguma cova rasa. Eles não terão memória. O tempo os esmigalhará em nada. A vida é dolorida, assombrosamente dolorida, para a maioria. Fala-se em compaixão. Palavra fútil. Não haverá compaixão enquanto não se descer do comboio do triunfo.
Levei enxovalhos. Qual foi o meu sofrimento diante da agonia das crianças de Darfur? Sofri olhares de soslaio. Chego a envergonhar-me de minhas aflições. A fotografia de um bairro do Haiti debocha de qualquer lamento meu. Contudo, os poucos e ridículos constrangimentos que rondaram a minha vida serviram para que eu desistisse de segurar o cabo-de-guerra dos bem sucedidos.

Sei que um dia, mais cedo ou mais tarde, todos chegaremos ao fim. Naquele dia, alcançaremos os perdedores. Seremos tão pobres quanto o mais pobre pária indiano, tão frágeis quanto as mais frágeis meninas nordestinas que se prostituem, tão solitários quanto o desterrado africano. E agradeceremos por Deus não dar as costas aos morimbundos. Melhor começar agora a considerar-se derradeiro e não cabeça, louco e não genial, pobre e não abastado.


Soli Deo Gloria

Texto do pr. Ricardo Gondim

Paulo Cheng

12 comentários:

  1. Olá galera, posto aqui mais um profundo texto do pastor Ricardo Gondim, e como ainda estou com o braço engessado, meus comentários ainda são sucintos, e depois retribuo cada comentário aqui postado, abração pra todos.

    GOD BLESS ALL YOU!

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  2. Oi Paulo,

    As palavras do Pastor Ricardo representam bem a torre de Babel em que se encontramos. De um lado, os excessos de consumo e de outro a total ausência. E no final, a "infelicidade" encontra o espaço no camarote central.

    Um fds abençoado!

    Lu

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  3. Sempre que vejo estas fotos, fico terrivelmente doente, sem palavras para julgar e avaliar ninguém.

    Penso que todos somos responsáveis por esta desgraça.
    Politizaram o pão, a água e a terra.

    Hoje uns morrem de fome enquanto outros morrem de fartura, esbanjamento e exploração.

    Se Deus existe, eu acredito que existe, fará um julgamento aterrador por todos os pedacinhos de pão jogados no lixo...

    Julgar só mesmo Deus tem o direito de julgar. Ninguém se poderá julgar a si próprio nem tão pouco julgar os outros, toda a sociedade...

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  4. Belissimo texto do pastor Ricardo Gondim. Tenho observado nos textos que por algumas vezes você aqui reproduz, como é variada a abordagem do pastor no que escreve. Paulo, pronta recuperação amigo. Um grande abraço.

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  5. Isto é uma "verdade verdadeira" meu caro Paulo, afinal "o poder se aperfeiçoa na fraqueza" e "os últimos serão os primeiros"... Somos apenas os mais pequeninos, no meio de tantos poderosos somos apenas servos e isso é muito bom, na verdade não tem preço!

    http://sublimeirrealidade.blogspot.com/

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  6. Puras verdades nesse tecto e é bem assim...Nós mães sabemos o quanto essas "medições" nos assolam...

    Adorei o texto! abração praiano,chica

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  7. paulo, meu amigo,
    então esse braço já está no sítio? pois, só agora, fim de semana, consigo chegar a todos quantos carinhosamente se fizeram presentes no post que lançamos em palavras meãs a cecília e eu próprio. e eis que me confronto com mais uma postagem tua (ainda que não da tua autoria) daquelas que não deixam ninguém indiferente.
    é verdade, paulo, as sociedades (que se constituem de cada um e de todos nós) são cada vez mais competitivas, fazendo da emulação a única verdade. a questão é: como combinar a diferença com uma democracia que é cada vez mais sinónimo de neoliberalismo - o oportunismo das oportunidades?
    cansados, sim, mas fiéis demais para desistir.
    mando-te desde aqui o meu abraço solidário, desejando que rapidamente te restabeleças.

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  8. Tu gosta do pastor Gondim, volta e meia tem texto dele aqui. Hahaha

    Normalmente muito bem escritos.

    Essa é a humanidade desumana em que vivemos. Realidade mórbida. indigerível.

    Porém sempre foi assim. Mundo repleto de vilões e raros mocinhos. A história nos mostra isso.

    Melhoras Paulo!

    Abss!

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    Site Oficial: JimCarbonera.com
    Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com

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  9. Puxa Chengão que texto hein... Fiquei pensando várias coisas aqui... Parabens para o pastor!

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  10. Paulo, meu amigo de fé!
    Tudo bem? Está melhor? estimo melhoras!

    As tais injustiças que fazem a gente temer os próprios, de nossa mesma espécie! Incrível isso.
    Injustiça, falta de solidariedade, abandono... enfim...

    Eis o ser humano que se acha tão sábio!

    Grande abraço! Melhora, viu?

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  11. Olá, Cheng!

    Essa tal "medição" faz parte de uma triste realidade. Lembro-me, quando criança, que ouvia uma expressão que não suportava que dizia o seguinte "o mundo é para os fortes". Acho que por isso, nessa profissão que escolhi(por escolha e vocação), sempre estou do lado dos chamados de mais "fracos", dos "desajustados", dos "menos desenvolvidos cognitivamente", dos "alunos difíceis/crianças problema", daqueles que são rotulados como "incapazes de aprender" e por aí vai... e, incrivelmente, tenho obtido sucesso nessa longa jornada! Sinto orgulho disso!!!

    Grande abraço e melhoras com seu braço!

    JoicySorciere => Blog Umas e outras...

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  12. Olá!! Vejo que seu braço ainda não está zero bala, uma pena desejo melhoras =D!
    Lindissímo o texto e ao mesmo tempo triste, vc sabe o que eu vivi, sabe pouco de mim, mais abe, eu vivi na rua, catei lixo e enquanto alguns riquinhos me olhavam com nojo, a classe mais simples, me dava sua mão para que eu me levantesse, lembro de uma senhora que me dizia sempre a mesma coisa quando me via, ela dizia: Me casei cedo minha filha e sei que vc provavelmente se casará tbm, mais estude, tenha seu proprio trabalho, seu proprio ganha pão, assim vc estará sempre com a liberdade batendo em sua porta. Não sei se foram exatamente essas palavras, mais foi isso que ela quis me dizer! Eu acredito que Deus sempre olha mais para os menos favorecidos, por que o menos favorecido, tem mais amor com o proximo, do que os mais favorecidos, se vc bater na casa de um rico pedindo agua e um pouco de comida, eles nem abrirão a porta e ainda chamarão a policia, mas se vc bater na casa de um pobre, além de receber agua e comida, ainda poderá dormir por ali aquela noite!!
    Eu tenho vergonha da humanidade, que se fala muito, mas pouco se faz!!
    Beijos Paulo, vou deixar vc melhorar e te fazer uma pergunta!! Bjs, bjs

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