sábado, 25 de fevereiro de 2012

Em louvor ao livro

Meu pai lia obsessivamente. Todas as vezes que surpreendi papai, ao abrir a porta do quarto sem bater, eu o flagrava com um livro na mão. Ele assinava pelo menos duas revistas de notícias semanais e vários pasquins. Comprava folhetos subversivos não sei onde. Trazia, perigosamente, para casa literatura proscrita pelos ditadores. Professor de história, tinha um fascínio enorme pela II Guerra Mundial. Na biblioteca, sobravam tomos, fotografias e artigos sobre o conflito que marcou sua infância. Herdei o vício.

Só há um tipo de consumismo que não me oponho: comprar livros. Todas as vezes que entro em qualquer livraria, gasto mais do que posso – divido em prestações, pago juros altos, mas saio sempre de mãos cheias.  Não cogito fazer qualquer viagem de avião sem ler o tempo inteiro. Só há um momento em que odeio o sono, quando o romance me mantém ávido pelo enredo.

Antigamente eu me contentava com textos conceituais, de não ficção. Mas um dia eu quis aprender a escrever. Logo me disseram que se desejasse melhorar a redação – faltei às aulas de português do Liceu – eu teria de devorar literatura. Hoje, abocanho com igual apetite, biografias, romances, poesias, ficção científica, contos. Os livros grossos já não me metem medo. Sou capaz de perseverar em mil páginas.


Tenho avidez de compensar os anos perdidos em que não abri uma página e faço vigília até alta madrugada. Terminar um livro é fascinante. Só não passo a noite em claro, porque, casado, obedeço ordens superiores que zelam por minha saúde.
O livro faz parte da grande conspiração divina. Quando Deus quis falar à humanidade não fez pirotecnia celestial. Inspirou, tão somente, homens e mulheres a escreverem. Sempre que Moisés subiu a montanha, Javé ordenou que trouxesse um bloco de anotações. Tem razão a frase latina: Scripta manent, verba volant – “O escrito fica, as palavras voam”.
Afirmo sem medo: todo livro é sagrado. O livro, relicário santo, registra memórias, fantasias, angústias, medos, bravuras, grandeza e pecados da humanidade.

Não existe livro impuro, apenas o mal escrito. Literatura é a mais completa de todas as artes. Se o personagem na pintura, escultura ou cinema aparecer contemplando um relvado, ninguém conhecerá com exatidão o que cogita. O bom escritor, contudo, discerne os seus pensamentos. Sabe até o que move a suas entranhas.
Louvado seja o livro. Sem ele não conheceríamos o amor trágico de Tristão e Isolda, de Romeu e Julieta e de Bentinho e Capitu. Jamais celebraríamos a coragem enlouquecida do Quixote. Nunca saberíamos sobre a força do ciúme em Otelo. E nunca partilharíamos da coragem do capitão Acabe.

Jorge Luis Borges afirmou que procurou mais reler do que ler. “Creio que reler é mais importante que ler, embora para reler seja preciso haver lido”.
Já sem enxergar, o brilhante argentino nos legou uma declaração de amor ao livro:
Continuo fingindo não ser cego; continuo comprando livros, continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 (ele escreveu isso em 1978) da Enciclopédia Brockhaus. Senti a presença dessa obra em minha casa; eu a senti como uma espécie de felicidade. Aí estavam os vinte e tantos volumes, com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver; e, no entanto, o livro estava aí. Eu sentia como que uma gravitação amistosa do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade que temos, nós, os homens”.

Homens e mulheres não vivem só de pão. Nossa alma se alimenta de palavras. No livro não se acha sabedoria pura e simples, nele estão as fontes da beleza, tragédia, alegria, esperança e felicidade.
Deus é escritor e os que querem se achegar a Ele, devem aprender a gostar de ler.

Soli Deo Gloria

Texto do pr. Ricardo Gondim

9 comentários:

  1. Amo os textos do Ricardo Gondim, e nesse ele discorre sobre o prazer e o deleite que decorre da leitura. Amo ler também, é uma de minhas paixões, mas infelizmente, devido aos estudos, não tenho tempo suficiente agora para ler aquilo que gosto, que é romances, documentários, biografias etc. mas vira e mexe estou encontrando uma brecha para colocar minhas leituras devocionais em dia.

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  2. Boa madrugada meu caro Paulo,
    Que texto hein ?

    Concordo plenamente com você quando diz "Não há livro impuro e sim mal escrito". Eis uma grande verdade !

    E como professor de história fico imaginando como a humanidade perdeu (calculo eu séculos em desenvolvimento) com o incêndio da biblioteca de Alexandria e com as montanhas de livros que eram jogadas nas fogueiras durante a Idade Média.

    Ler é fundamental para uma boa educação, aquela que liberta e nos ensina a pensar! Pois só através da educação é que poderemos ter uma sociedade mais justa e fraterna.

    Eu também amo os livros!


    Abraços Flávio.
    --> Blog Telinha Critica <--

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  3. paulo, caro amigo,
    deixa-me, antes de mais, saudar o teu regresso, sempre tão ansiado.
    aprendi com um professor de literatura norte-americana algo que, se no momento me passou despercebido, com a idade converteu-se em máxima pessoal: a vida é demasiado curta para lermos tudo o que nos aparece; temos de selecionar, até porque há livros que exigem regressos sucessivos.
    assim pauto as minhas leituras, presentemente. ainda há pouco reli "o ano da morte de ricardo reis", do saramago, e encontro-me a ler um daqueles obrigatórios que faltavam no meu elenco pessoal: "cem anos de solidão", de garcia marquez.

    deambular pelas livrarias é uma experiência extraordinária; mas a mim seduz-me ainda mais fazê-lo pelos alfarrabistas, onde o cheiro a velho, as páginas já manuseadas, e as letras gastas pelo olhar dos outros me seduz vivamente.

    pois, vejo que te fazes acompanhar de novidades, neste teu regresso, muito especialmente "turismo", em que te dispões a divulgar lugares e os seus pulsares. braga, a minha terra, tem, na verdade, algumas coisas que poderia e gostaria muito de mostrar, mas peço-te que aguardes por um momento mais propício, dado que as solicitações têm sido imensas. talvez na pausa pascal, período em que gozo de umas curtas férias, certo?

    um forte abraço e saudações reiteradas neste regresso!

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  4. Ae Chengão!!!
    Como você está cara? Melhorou do braço?
    Caramba, que texto! Simplesmente adorei! E admirei muito o seu pai pelo que contou..a ousadia dele de ter livros mesmo aqueles proibidos pelo governo.
    Também sou uma apaixonada por livros. Aprendi a ler sozinha com apenas 3 anos.
    Uma devoradora de livros eu sou quando não estou trabalhando...talvez a paixão por livros motivou tanto eu em escrever cada vez mais. Porém agora com a correria tenho lido muito menos...compro e ganho livros que ainda estão lacrados!
    Ah eu devo confessar que aprendi a gostar de fotografar sabe? Isso foi alguns anos atrás...ai peguei o gosto e é realmente uma sensação gostosa. Tem gente que não entende e diz que fazemos sdó para aparecer mas isso pode servir para algumas pessoas, o que não é o meu caso. Eu gosto de postar fotos porque realmente acho legal.
    Meu cão, Lobo infelizmente faleceu á alguns anos. Mas não resisto e coloco foto dele. Ele é uma parte de mim.
    Cachorro realmente dá trabaho...depois que perdi o meu não quero mais ter nenhum mas é por ter me apegado e também devido á falta de tempo. Mas ter um cão é maravilhoso, eles retribuem nosso carinho com mais carinho.
    bjs

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  5. Paulo,

    Boa noite! Penso que o seu pai foi um grande inspirador na sua trajetória. Concordo com Borges e hoje costumo reler trechos de livros que fizeram a minha história.

    Parabéns pelo post!

    Lu

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  6. Olá Paulão meu irmãozim marélim. Rapaz, muito bom esse texto e ralmente é verdade.
    Atualmente dei uma paradinha nas leituras, mas já estou regarregando as energias novamente.

    Um abraço velhão!

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  7. Paulo, que coisa mais gostosa de ler... acho tão lindo ler sobre a paixào alheia pela leitura. Me encantei por cada palavra que vc escreveu para falar do "vício" que seu pai tinha pelos escritos. Saber que fez parte de um tempo difícil, como a ditadura, deu um olhar mais forte em seu texto. Me encantei, viu!?

    Adorei sua postagem...

    Sua esposa está certinha por controlar seu horário de leitura... eu tbem sou dessas que, se deixar, passo a noite toda. Confesso que já fiz isso. Várias vezes, em período de férias, me peguei com um livro até o amanhecer... isso não é legal, uma vez que há total descontrole em nosso organismo. MArido precisa ficar me puxando para que eu não me perca nos livros durante a noite. rsrs... ainda bem que temos nossos conjuges para cuidar de nós, né!?

    Abração pra vcs aí! :)

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  8. Gosto muito dos textos do pastor Ricardo Gondim, que você sempre que pode reproduz por aqui. Muito antes da internet e até mesmo depois dela, os livros continuarão nos levando para uma gostosa viagem. Um grande abraço.

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  9. Macedo da Silva, Natal, RN.

    Este texto é um chamado poético e irresistível ao maravilhoso mundo da leitura, sou um leitor assíduo, gosto de ler, tenho uma pequena biblioteca em minha casa, e a cada mês ela aumenta em 4 ou 5 livros. Vivemos num país onde esse hábito não é incentivado como se deveria, mas mesmo assim, temos maravilhosos escritores e um público grande de amantes do livro.

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