Já vaticinara o dito popular: “em terra de cego, quem tem
um olho é rei”, é uma máxima datada, conhecida, porém que carrega em seu bojo
um profundo ensinamento implícito, onde podemos traduzir tal analogia com a
mentalidade e disposição das sociedades de hoje, sim, em sociedades cegas pela insensatez
e demência, quem tem um olho se torna rei.
Até onde vale à pena ser relevante em uma sociedade
estupidificada pela superficialidade? Vale à pena se levantar como bastião da
justiça em meio a uma sociedade injusta? É relevante se levantar como profeta
da última hora e, com voz altissonante, ressoar a verdade numa sociedade no
qual está conscientemente imergida no erro e na devassidão? Até onde vale à
pena nadar contra a correnteza, caminhar na contramão, e tentar, a fórceps,
abrir aos ouvidos de pessoas surdas pela insipiência e imbecilidade?
Vivemos em um mundo onde os valores estão deturpados, em
que a ética e a moral viraram peças obsoletas em desuso, no qual a
relativização das coisas dita as regras de comportamento, e onde o certo é
errado, e o errado é certo. Termos como “politicamente correto” têm
estupidificado sociedades, onde as pessoas são tolhidas de se expressarem, de
se posicionarem contra qualquer coisa, por medo de serem taxadas inflexíveis,
intolerantes e fomentadoras de ódio. Se posicionar contra o que quer que seja
hoje em dia é tido como “politicamente incorreto”, mesmo que estejamos certos,
mas para não ferir susceptibilidades, temos que aceitar tudo, mas absolutamente
tudo, pois os novos valores que norteiam as sociedades privam as pessoas de se
antagonizarem, ou você caminha na mesma direção da massa ignara, ou você é um
rebelde e infrator, que merece ser estigmatizado à redundância.
O pensar hoje é proibido, e quando se é feito, rechaçado,
hoje as pessoas estão anestesiadas, vivendo de forma superficial, sem
comprometimento com causas nobres, sem sentimento de revolta frente aos casos
de corrupção por parte dos políticos, e as prioridades são as mais banais
possíveis, onde a TV, baladas, consumismo, farras, orgias, carnaval, redes
sociais são o que absorve e cativa as pessoas. Vivemos um momento ímpar em
nossa sociedade, onde os políticos num todo estão dilapidando a nossa nação,
destruindo tudo e saqueando todos os nossos recursos, porém a grande massa
ignara está mais preocupada com os paredões do BBB, em acompanhar as novelas
globais, em compartilhar correntes e emotions no Facebook, em postar selfies no
Instagram, em anelar pelo próximo feriadão, ou fazendo planos para o próximo
carnaval, e enquanto isso, a nação está desmoronando ante os nossos olhos, com
lei em cima de lei sendo aprovada para nos escravizar mais e mais, e os poucos
que ainda mantêm a lucidez e tentam ser relevantes, trazendo a verdade á tona,
são ridicularizados, onde se passam por loucos, tal qual os profetas do Antigo
Testamento quando iam anunciar algum juízo divino, e as pessoas caçoavam deles,
mesmo na iminência da desgraça.
Sim, nos dias de hoje, ser relevante não passa de pura
irrelevância, onde quem ainda preserva um pouco de lucidez e uma visão aguçada
ante o mar de podridão e obscuridade no qual a sociedade está imersa é tratado
como insano. Sim, em terra de cego, quem tem ao menos uma visão turva das
coisas é rei, numa majestade que jamais será alcançada por aqueles que o
circunda.
Paulo Cheng
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